8 de setembro de 2013

CRÔNICA: A Máquina #1




A criança jazia no fundo da sala escura, esperando. Não, não estava morta. Minha estória não começará com uma morte. Não obstante, seria errado dizer que se encontrava viva. Aqueles cujos futuros pertenciam a estas salas estariam fadados a não viver enquanto não morriam. Um destino cruel para um povo inocente, fruto de uma mente maligna. Mas essa é uma história que já conhecemos.

Não me entenda mal, voltarei à linha principal. Quero que compreendas que este é um assunto delicado e por isso não terei pressa ao escrever. Tudo em seu devido tempo. Não é sempre que posso dizer abertamente tudo o que penso, e sinceramente não sei como te farias bem ouvir-me, mas gostaria que embarcasse comigo em direção a esta história. Mas fique avisado: não esperes um final feliz. Estás pronto? Muito bem.

Onde estávamos? Ah sim, a criança. Neste ponto, o sexo não a diferenciaria das outras crianças. Basta dizer que era uma criança e pronto. Mantinham seus cabelos cortados e suas barrigas vazias. Suas roupas, esfarrapadas e seus sonhos destruídos. Talvez por isso estavam mortas, embora vivessem. Há quem diga que quem vive sem sonhos não vive realmente.

Os outros que moravam com ela nada possuíam. Compartilhavam sua comida e protegiam a criança mais do que o faziam a si mesmos. Mas esta não é uma estória sobre outros, não. É uma sobre uma criança numa sala. Uma criança que vê. E não há mais perfeito verbo do que "ver".

A verdade, caro amigo, é que ela não entendia o que havia feito. Sempre obedecera às ordens de seus pais, sempre fora educada e fazia suas tarefas. Amava onde morara e as pessoas com que vivera. E então, de um dia para o outro, a cor que enchia sua vida fora retirada e em seu lugar foram deixados carvão e sangue.

Ela queria entender. Queria desculpar-se pelo o que fizera, seja lá o que tivesse sido. Mas ninguém nunca a havia contado. Ela nunca saberia. Não até o momento certo. Nunca lhe deram uma chance.

Nunca lhe deram uma chance.

Essas duras palavras reverberavam em sua cabeça enquanto o tempo passava. A criança gostaria de saber mais sobre o horror que exalava. Vira as expressões de repulsa que costumavam lançar a ela e não entendia. "Por quê?"

Ela estava só na sala. E com a solidão, vinha a tristeza. Ela, então, começou a chorar o mais alto que podia, mas ninguém estava ali para ouvi-la e, portanto, não havia choro. Apenas nós, que agora observamos a cena, reconhecemos o que acontecia. Ela continuou ali, parada, olhando para o vazio que a cercava e chorava. Não por ela, mas sim pelos que a maltratavam.

A criança sabia o que iria acontecer. Aqueles que foram chamados para dentro da sala, como ela fora, nunca haviam retornado.
Entretanto, a noite fria reservava algo no mínimo interessante para a pequena pessoa. Algo que vale a pena ser relatado.

O vento uiva pela fresta da porta, e esse é o som que nos cerca enquanto a cena escurece lentamente. Agora nos resta esperar o momento que virá. E virá.



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