1 de dezembro de 2012

CRÔNICA: Metalinguagem



Ao sair do shopping, o homem sentiu a brisa gelada da noite. Acendeu seu cigarro e começou a andar
em direção a uma escadaria de uma loja que, devido ao horário, se encontrava fechada. Sentou-se, acomodou as pernas cansadas no degrau e, sentindo as pontadas de frio que a pedra o proporcionava, indagou à moça, sua mulher, que o acompanhava:

-Sobre o que escreveremos?

Mantinham, os dois, uma coluna num jornal pouco veiculado na cidade. Há algum tempo não mandavam textos para a redação que, com certa constância, pedia que mais material lhe fosse enviado. Às vezes as ideias simplesmente não surgiam, fazendo os dois suplicarem por alguma luz que os ajudasse a escrever. Entretanto, como alternavam no envio de seus trabalhos, era a vez do homem fazê-lo.

A mulher não sabia a resposta para sua pergunta. Pensou por um tempo e, como usualmente fazia, disse que não tinha ideia. O homem não se decepcionou. Além do mais, era sua tarefa e a moça não era obrigada a ajudá-lo. Entretanto, algo vinha há muito tempo martelando a cabeça dele. Uma semente de ideia florecia em sua mente, embora tacitamente achasse um tanto quanto clichê. Não se importou:

-Esquizofrenia. Sempre dá ibope e o povo adora. Sei que é genérico, mas o que custa?

Claramente, ela não ficou surpresa pela ideia. De fato era clichê, mas o homem estava empenhado em convencê-la. Quantos filmes já não vira e quantas obras de autores diferentes já não lera que mostravam casos de esquizofrênicos que só descobriam sua doença no fim da trama? Na opinião dele, o mais incrível sempre era ficar louco junto com os personagens. A sensação de ter de ler o livro inteiro de novo para entendê-lo era impagável para ele.

Mas como seria sua estória? Há muito em que se pensar quando se trata da criação de textos e o homem procurava algo para começá-la. Talvez um louco num hospital. Uma mulher que acredita que tem um filho, mas nunca o teve. Um amigo que um menino sempre jurou ter, mas teve de ouvir a dura verdade dos familiares. As propostas explodiam em sua cabeça, mas nenhuma parecia ter o brilho que precisava.

Então a mulher sugeriu. "Metalinguística, já ouviu falar?". Sim, é claro! Como não pensara nisso? Escreveria sobre um homem que fala sobre a doença mas não sabe que a tem. "Genial", pensou. Tem a pitada de originalidade que precisava para algo tão comumente usado como tema. E como uma criança que ganha um novo brinquedo, começou a montar seu texto ali mesmo, na escada com sua mulher, pensando em todas as passagens que faria, personagens e seus traços e tudo o mais que precisava para torná-lo possível. Tinha-o basicamente montado quando um jovem aproximou-se dele e disse:

-Senhor, por que falas sozinho? Algum problema?

O homem não entendeu e achou que era uma brincadeira de mal gosto. Falou para o menino que estava tudo bem e mandou-o embora. Olhou para sua mulher e, finalmente, disse:

-Como pode alguém me dizer que estou falando sozinho quando você está ao meu lado?! Garoto estúpido...

E então, a mulher indagou:

-Garoto, querido? Que garoto?


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